De olhos postos no chão


As crises são, habitualmente, um álibi que os políticos usam para justificarem não fazer o que prometeram. Quem chega ao poder diz que encontrou cofres vazios, que tem que pagar dívidas (invariavelmente contraídas pelos antecessores) e que, só por isso, as promessas ficam por cumprir. Outros, surpreendidos pelas dificuldades já no poder, escudam-se nas crises internacionais, como se nunca tivessem governado. Independentemente da dose de razão que possam ter, foram eleitos para tomarem decisões, governarem o melhor que possam e saibam, com os recursos de que dispõem e que devem incluir, além do dinheiro, capacidade para captar recursos, saber estudar e agarrar oportunidades, criatividade, inteligência, capacidade de organização dos meios disponíveis para a maximização da satisfação das necessidades de todos. Dinheiro é indispensável, mas não é tudo. Com muito dinheiro, qualquer um parece um bom político. Com pouco dinheiro, pode optar-se por fazer quase nada (convenhamos que é difícil não fazer nada), ou pode optar-se por trabalhar, usando de forma racional o que se tem para fazer obra e ser-se, de facto, um bom político.
O exercício que podemos convidar os nossos governantes e autarcas a fazerem é uma lista das coisas que podem fazer com o dinheiro que têm ou com aquele que, de qualquer forma, vão gastar.
Em Estremoz, com o mesmo dinheiro que sempre teria que ser gasto, poderiam varrer-se as ruas de forma a que fiquem limpas. Poderiam arrancar-se as ervas que crescem nas calçadas, dando à cidade um ar de desleixo e abandono. São precisos produtos que custam dinheiro? É preciso contratar empresas, que custam dinheiro? Será mesmo assim? Se for pouco o pessoal para as arrancar a todas (que a cidade é grande e a selva avança a ritmo acelerado), ainda assim há que começar por algum lado. Há ervas nas calçadas e era bom que fosse contínua a preocupação em as retirar, enquanto vão aparecendo, sem esperar que sejam um matagal. Podia começar-se pela calçada que circunda o Tribunal, no coração da cidade, onde as ervas não podem deixar de ser vistas, são já muitas, altas e crescem livremente (hoje, junto à entrada do Tribunal, vi mesmo que, juntas com um tufo de erva, cresceram duas lindas papoilas. Elas que me perdoem por eu, que ali as reconheci tão belas, venha dizer que aquele não é o seu lugar).
Podia também perceber-se de uma vez por todas que ter papeleiras ou recipientes para o lixo (gosto de lhes chamar papeleiras ainda que não recebam apenas papéis) em abundância, espalhados pela cidade, principalmente onde há uma maior afluência de pessoas é essencial à limpeza das ruas. Évora é exemplar: vão lá e contem os passos que vão entre uma papeleira e outra. Percebem-se as razões que explicam por que, apesar de tantos cruzarem diariamente as ruas da cidade, elas estão limpas.
Depois de beber uma garrafa de água, ficamos com ela na mão. Há quem ande uns metros e, não encontrando onde a deitar, opte por guardar o lixo na mala, se a tiver, ou por passear de garrafa vazia na mão o tempo que for necessário, que em Estremoz seria provavelmente muito. Há quem se livre do seu lixo de qualquer maneira, sem esperar pelo próximo caixote de lixo. Estas pessoas existem e, no caso de muitas, é tarde para lhes acoplar no cérebro, assim de repente, a consciência do dever cívico de não espalharem pelo mundo de todos o lixo que produzem
A existência, sempre presentes, de depósitos para lixo, é um estímulo para que, em vez de serem lançados para as ruas, os papéis e embalagens sejam lançados para os lugares próprios. Em Estremoz há poucas papeleiras, mesmo nos lugares da cidade onde há mais pessoas e se produz mais lixo. Levante o braço quem considere que há papeleiras suficientes no Rossio, quem ache que na Avenida 9 de Abril, percorrida por muitos jovens desde a estação de comboios (agora de autocarros) até à escola, há papeleiras em número suficiente para acolher o lixo dos que ali circulam.
A limpeza e o embelezamento da cidade é importante para quem nela vive e é-o também porque o turismo é um dos sentidos em que a economia do concelho tem que se desenvolver. A manutenção da cidade deve pensar-se de forma séria, organizada e sistemática. Dizemos que amamos a nossa terra. Convido todos a descerem dos pedestais ou torres onde vivem para uma visita, de olhos postos no chão, às ruas e praças da cidade. Depois, venham as declarações de amor.

Publicado no Jornal E, nº 2, de 20 de Maio de 2010

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