As Freguesias


Freguesias actuais do concelho de Estremoz


É a democracia que temos … ou nos permitem
O
OÀ conta da “necessidade” de “equilibrar” as contas do país, o governo tem assumido o papel de reformador implacável – estava-lhe destinado.
Agora é que Portugal se vai modernizar, tornando-se mais competitivo nos mercados. Será?
No rol de reformas que se pretendem implementar, conta-se a da administração local, a começar pelas freguesias.
Para isso o governo já tomou algumas iniciativas: primeiro foi o “Documento Verde…” (Setembro de 2011); mais recentemente, a Proposta de Lei nº. 44/XII (Fevereiro de 2012).
Em relação ao primeiro daqueles documentos os deputados municipais de Estremoz já assumiram posições: na Assembleia Municipal de 16.12.2011foram aprovadas duas moções, respectivamente da iniciativa do PS, uma, e da CDU, outra, contra a extinção (fusão, integração, agrupamento, aglomeração – a terminologia é fértil) de freguesias, sem ser com o acordo manifesto e iniciativa das populações.
Na Assembleia Municipal de 27.1.2012, convocada extraordinariamente o MiETZ assumiu “… que a existência das freguesias, em especial das freguesias rurais, se revela de extrema importância na disponibilização de serviços de proximidade às populações garantindo uma maior eficácia na detecção dos seus problemas e das suas necessidades, contrariando desta forma a tendência de despovoamento das áreas rurais.”Quanto à Proposta de Lei, na última Assembleia Municipal, reunida em 24.2.2012, o grupo de deputados da CDU propôs uma declaração em que propunha que aquela manifestasse “… o seu mais profundo repúdio pela forma como, na Proposta de Lei nº. 44/XII, se pretende condicionar as deliberações das Assembleias Municipais no que respeita à reorganização administrativa do território das freguesias, conforme decorre do artigo 9º-5.”Esta declaração foi aprovada com os votos: a favor – CDU (5), PS (7); contra – PSD (7, dos quais dois são presidentes de junta), MiETZ (3, sendo um presidente de junta); abstenção – MiETZ (9), Juntos por Glória (1), Movimento Independente Pelos Arcos (1) – estes dois últimos são presidentes de junta.
Para se perceber o sentido desta votação, é conveniente atendermo-nos sobre a Proposta de Lei.
No artigo 5º, “Parâmetros de agregação”, alínea C) é explicitado o seguinte: “Nos municípios de nível 3 (no qual Estremoz se inclui), redução, no mínimo, de 50% do número de freguesias cujo território se situe, total ou parcialmente no mesmo lugar urbano ou em lugares urbanos sucessivamente contíguos e de 25% do número das outras freguesias.”Quer dizer, na cidade de Estremoz, onde existem duas freguesias urbanas – Santo André e Santa Maria – passaria a haver apenas uma. Quanto às restantes freguesias, todas consideradas rurais, das onze existentes, passariam a nove.
Como é que processa esta redução de freguesias, segundo a Proposta de Lei?
Através da “Assembleia Municipal, após consulta ou proposta da câmara municipal, delibera sobre a reorganização administrativa do território das freguesias (…).”Depois de deliberar – “pronúncia da assembleia municipal” – sobre a reorganização / redução das freguesias, a mesma deve ser entregue à Assembleia da República. Como prémio de “bom comportamento” – onde já se ouviu isto – e de “consolação” as freguesias agregadas beneficiam de um aumento de 15% DO Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF) durante o primeiro mandato (quatro anos) após a agregação.
E se a assembleia municipal se pronunciar contra a agregação, como parece / poderá parecer ser o caso da maioria dos deputados municipais de Estremoz, pelo menos tendo em consideração as posições já anteriormente assumidas?
Faz-se à mesma a agregação, pelo menos é essa a intenção expressa na Proposta de Lei, com a penalização de não beneficiarem do aumento de 15% de FFF, o tal artigo 9º-5. Trata-se, efectivamente, de impor uma reforma da administração local, mesmo que seja contra a vontade das populações.
E assim se criam os “consensos democráticos”, com os “legítimos representantes das populações”, nem que seja à força.
Por isso é que a votação da declaração aprovada na Assembleia Municipal de 24.2.2012 assume particular importância: o repúdio por processos que nos fazem lembrar, em muito, os utilizados pelo antigo regime, que por sinal se queria novo (o Estado Novo), por um lado; a diversidade de posições expressas, que traduz, nalguns casos, não tanto a liberdade de voto, mas o receio de represálias futuras – porque considerando que a redução do número de freguesias é inevitável, pelo menos que não se seja penalizado e se beneficie de um bónus (participação de 15% no FFF) – por outro.
E assim, a democracia é capturado pelo poder. A seguir lamenta-se a falta de proximidade entre eleitos e eleitores … Poderá ser de outra forma?

Freguesias: porquê?

O
Nos últimos tempos, tem-se falado muito das freguesias, embora com opiniões diversas – seja por pluralismo de opiniões, seja por desconhecimento.
Mas, sobre as freguesias, que constitui uma realidade que, naturalmente, a tróica não conhece (só existem em Portugal), e que são agora objecto de reforma, parece-nos ser um assunto demasiado importante do ponto de vista do nosso futuro colectivo, para ser resolvido segundo parâmetros que, na situação presente, pouco ou nada têm a ver com a génese das freguesias e a ocupação do território.
Vejamos: as freguesias, como unidade mínima administrativa, surge em meados do século XIX, com a reforma administrativa do liberalismo. Até aí, a unidade mínima administrativa eram os concelhos.
Ao contrário do resto da Europa, os concelhos em Portugal tinham uma dimensão muito reduzida.
Ora, para o regime liberal se consolidar, era necessário desmantelar a estrutura de poder do Antigo Regime (o Absolutismo).
Se noutros países europeus, onde os municípios abrangiam áreas geográficas bastante amplas, se procedeu à sua segmentação, em Portugal aconteceu precisamente o inverso: os municípios foram agrupados, tendo alguns sido extintos – foi o caso, em Estremoz, dos municípios de Veiros e Evoramonte.
Porque os municípios passaram a ter uma dimensão muito superior àquela que detinham anteriormente, houve que, para assegurar a eficaz gestão do território, criar uma divisão administrativa abaixo do município.
Mas, que unidade? Baseada em quê?
Desde a sua fundação, Portugal era uma nação católica, não apenas porque a igreja tratava das almas dos seus habitantes, mas porque tinha poder e tratava de coisas mais terrenas, incluindo administrativas. Organizada em paróquias, a igreja estava bem implantada no território nacional – não deixa de ser curioso que, depois do Terramoto de 1755 o poder central recorra aos párocos para, através de inquérito (1758), saber das consequências que o mesmo teve no território nacional.
Mas, se recuarmos mais no tempo, até finais do século XIV, princípios do século XV, verificamos, nomeadamente aqui no Alentejo, à fundação de inúmeras igrejas espalhadas pelo campo.
A que se deve este facto?
Entre as várias guerras com Castela, 1369 / 1397 (incluindo-se aqui a Guerra da Independência – 1383 / 1385) no século XIV, e 1438, século XV, vive-se um período de relativa pacificação, que terá sido aproveitado para aumentar a produção agrícola e, em particular, a produção cerealífera. Aliás, a partir de 1400 e 1420 assiste-se a um significativo surto de arroteamento – desbravamento de terras para incentivar a cultura de cerais panificáveis.
Mas, para promover a transformação da terra, aumentando a área cultivável, era necessária mão-de-obra, e esta era escassa, sobretudo nos campos do sul. Havia, por isso, de desenvolver um certo esforço colonizador do território, ou seja, de distribuição e fixação das pessoas à terra.
Várias foram as medidas tomadas no sentido deste esforço colonizador, entre as quais a fundação de igrejas, sede de paróquias, unidade religiosa, mas também de enquadramento dos camponeses fixados num determinado território, reforçando redes de sociabilidade local.
São estas paróquias que se vão desenvolvendo ao longo de séculos que, na reforma administrativa do século XIX, são transpostas para a administração civil, constituindo as freguesias, que hoje perduram.
Assim, representando as freguesias um património histórico, social e cultural com séculos de existência, não podemos deixar, perante a reforma administrativa que o actual governo pretende implementar à força, de cima para baixo, de nos surpreender pela ligeireza com que o faz.
Por outro lado, mais valia que aprendessem um pouco com os nossos antepassados que, quando tiveram necessidade de colonizar o território criaram paróquias, que mais tarde estão na origem das actuais freguesias. Se hoje já se verifica problemas demográficos em muitas das freguesias rurais da nossa região, certo é que a extinção / aglomeração de parte destas irá acelerar ainda mais a desertificação das mesmas.
Será este o desenvolvimento que pretendemos para a nossa região e concelho?