Totós

Tenho para mim que há brigas que não fazem sentido. As greves em França por causa do adiamento da idade da reforma de 60 para 62 anos enquadram-se nesta categoria. Curiosamente, a Alemanha já tomou este ano idêntica medida – adiando a idade de reforma dos 65 para os 67 anos – e, ao contrário do que está a acontecer em França, tal acção não provocou tanto alarido. Eu compreendo que na óptica individual daqueles que estão à beira duma reforma em relação à qual alimentaram expectativas, esta greve até faça sentido. Porém, se as pessoas pensarem um pouco facilmente concluem pela tremenda injustiça deste modelo relativamente ao futuro dos seus filhos e netos.
A explicação é simples: se alguém quiser, sem a intervenção do Estado, amealhar a sua própria reforma, vai precisar de 47 anos de poupanças para conseguir uma pensão de valor igual ao do último vencimento enquanto activo. Isto num contexto de uma esperança de vida de 80 anos. Isto sem pensar nos outros, ou seja, sem qualquer tipo de solidariedade social, sem dias de baixa, sem nunca estar desempregado, sem nunca obter qualquer tipo de apoio médico ou medicamentoso subvencionado pelo Estado.
Perante este cenário – que se tem vindo a agravar, com o prolongamento da longevidade – não consigo descortinar qualquer razão pertinente, dotada de um mínimo de racionalidade, que explique o motivo pelo qual vejo jovens de 20 e poucos anos a darem o seu apoio às greves em França. Será que aqueles totós ainda não entenderam que só estão a prejudicar-se a si próprios? Um jovem de 21 anos que comece agora a trabalhar, se depender só de si próprio e se não houver nenhum azar, só aos 68 anos poderia aspirar à reforma. Agora vamos lá abrir a pestana: se ele consentir que os mais velhos se reformem aos 60 anos, então isso significa também que 8 dos seus anos vão ser dados a outro, logo ele só vai conseguir reformar-se aos 76. Em alternativa, reforma-se também aos 60 anos mas leva a pensão correspondente a menos 16 anos de contribuições (8 dele + 8 daquele por quem agora está a fazer greve) e “contenta-se” com uma reforma de cerca de 33% do valor do último vencimento. Ah valentão, acabaste de fazer figura de urso...
Aliás, Sarkozy também está a ser totó... Deixemo-nos de tretas, o actual modelo de pensões é inviável, portanto, mudem-se as regras e acabe-se de vez com a idade da reforma. Cada um reforma-se quando quiser, contando para o efeito com 2/3 das suas próprias contribuições e ainda com a sua quota-parte do remanescente de um fundo de solidariedade social criado (com 1/3 de todas as contribuições) para acudir, em primeiro lugar, aos verdadeiramente necessitados. Se chega, tudo bem; se acha pouco, trabalhe mais tempo. Com um modelo destes ainda se salvaria alguma solidariedade social e impedir-se-ia a tremenda injustiça que actualmente está a ser cometida sobre os mais jovens, que sendo cada vez menos trabalham para cada vez mais.

Publicado na edição n.º 747 do Jornal Brados do Alentejo (28Out2010);
Também publicado em ad valorem;
As imagens foram colhidas nos sítios para os quais remetem as respectivas hiperligações.


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