EDIFÍCIO DO MUSEU
DA ALFAIA AGRÍCOLA DE ESTREMOZ
DA ALFAIA AGRÍCOLA DE ESTREMOZ
Crónica de uma morte anunciada
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O assalto perpetrado por meliantes ao Edifício do Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz, no passado dia 13 de Julho, cerca das 3 horas 30 minutos, facilitado pelo estado de degradação do edifício, está na origem desta crónica.
Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz (Foto recente de Jorge Pereira)
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O edifício que é objecto desta crónica abrange os números 87/89 da Rua dos Reguengos ou Rua Serpa Pinto e situa-se do lado esquerdo, logo à entrada, da chamada “Porta dos Reguengos”. Convém passar em revista, alguns marcos na História do edifício:
1878 - António da Cruz funda ali uma Fábrica de Moagem a Vapor.
1916 (JANEIRO) - João Francisco Carreço Simões e Máximo José Rocha, criam no local a FÁBRICA DE MOAGEM E ELECTRICIDADE, que além de ser a primeira moagem eléctrica do concelho, abastece a cidade de energia eléctrica. Nos anos 30 do século passado, a parte eléctrica da empresa é adquirida pela Sociedade Industrial do Bonfim, transitando em 1970 para a Federação dos Municípios de Évora e por fim para a EDP. A parte da moagem adquirida por um industrial de Castelo Branco transita posteriormente para a FEDERAÇÃO NACIONAL DE PRODUTORES DE TRIGO – FNPT, criada em Junho de 1933 pelo Governo de Salazar. Federação de Produtores só de nome, já que funcionava como serviço público de compra, conservação e distribuição de cereais, entre outras funções.
1953 (FEVEREIRO) - O edifício é registado em nome da FEDERAÇÃO NACIONAL DE PRODUTORES DE TRIGO – FNPT, que ali instala um seleccionador de trigo, que funcionará até ao início da década de 70.
1975 (SETEMBRO) - O edifício é registado em nome do INSTITUTO DOS CEREAIS, pois por decreto-lei de Agosto de 1972, a FNPT passou a designar-se Instituto dos Cereais, incorporando o Instituto Nacional do Pão e as Comissões Reguladoras do Comércio de Arroz, das Moagens de Ramas, e do Comércio de Cereais dos Açores.
1979 (ABRIL) - O edifício é registado em nome da EMPRESA PÚBLICA DE ABASTECIMENTO DE CEREAIS, criada por decreto-lei de Agosto de 1976, para proceder à reestruturação do Instituto dos Cereais, cuja extinção formal é decretada no último dia de 1977, com efeitos a 1 de Dezembro, data de início de funções da EPAC.
1987 (MAIO) – O edifício devoluto, é arrendado pela Câmara Municipal de Estremoz (CME) e após sofrer acções de limpeza, conservação e beneficiação, acolhe mais de 4000 peças da faina agro-pastoril, recolhidas pelo campaniço e encarregado de pessoal da CME, Crispim Vicente Serrano. Peças encontradas em lixeiras, em casões devolutos ou abandonadas ao ar livre. Peças doadas por 23 agricultores e também peças depositadas por 24 agricultores à guarda da CME. Peças recuperadas na Horta do Quiton e que estariam na génese do que se viria a chamar o “MUSEU DA ALFAIA AGRÍCOLA”, gerido a partir daí pela chamada “Comissão da Alfaia Agrícola”, liderada por Joaquim Vermelho e dependente da CME.
1990 (DÉCADA DE) – O edifício acumula as suas funções museológicas com o de pólo da EPRAL – ESCOLA PROFISSIONAL DA REGIÃO ALENTEJO, onde são leccionados cursos de Património e Museologia e de Contrução Civil, onde leccionam entre outros Joaquim Vermelho, João Paulo Ferrão, Francisco Rodrigues, Maria Luzia Margalho, João Carlos Chouriço, Vera Fonseca, Hernâni Matos e Odete Ramalho.
1996 (JANEIRO) – Graças a um protocolo com a CME, a ETMOZ – Associação Etnográfica e Cultural de Estremoz passa a gerir o Museu da Alfaia Agrícola (edifício e recheio), situação que se mantém até 2003.
2000 (JANEIRO) - O edifício é registado em nome da AMPLIMÓVEIS – COMPRA, VENDA E EXPLORAÇÃO DE IMÓVEIS.
2003 - A gestão do chamado Museu da Alfaia Agrícola (edifício e recheio) transita para a CME, passando aquela unidade museológica a constituir um pólo museológico do Museu Municipal de Estremoz.
2004 (Abril) – Após parecer dos engenheiros da CME, o Museu da Alfaia Agrícola deixa de receber visitas, por motivos de segurança.
2004 – 2006 – Realizam-se acções de inventário, preservação e conservação do acervo, por parte do Museu Municipal. De salientar que ao longo do processo de degradação, o Director do Museu e o pessoal de apoio foi incansável, tendo feito tudo o que lhes era humanamente possível para travar essa degradação.
2006 (EM DIANTE) – Impossibilidade de continuação de qualquer das actividades anteriores, face ao risco de vida a que estavam sujeitos os intervenientes.
2009 – Negociações entre a CME e a EPAC, visando o aluguer de um pavilhão junto aos silos para acolher as colecções, o qual viria a receber obras de adaptação.
2010 (14 de Julho) – O Museu da Alfaia Agrícola é assaltado de madrugada, facto que foi detectado por populares, que vigilantes travaram a continuação do saque.
2010 (15 de JULHO) - É reforçada pela CME, a segurança de portas e janelas do rés do chão do Museu da Alfaia Agrícola e começa a transferência do seu recheio para o novo local.
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UM MONUMENTO DE MEMÓRIAS
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Em primeiro lugar, memórias externas:
- Memórias de quase um século de acarretos em carros de bois, de muares e tractores, para alimentar a voracidade insaciável da moagem ou do separador de trigos;
- Memórias dos camponeses que nos seus trajes garridos e churriões vistosos franqueavam as Portas dos Reguengos para tratar de assuntos na cidade;
- Memórias dos ranchos de crianças que por ali transitavam nas suas idas e vindas às escolas do Caldeiro;
- Memórias dos fluxos humanos que sempre ali animaram a vida social e comercial da zona;
Em segundo lugar, memórias internas:
- Memórias de quase um século de moagem em laboração;
- Memórias dos ciclos de produção da faina agro-pastoril (pastorícia, trigo, azeitona, cortiça, vinha, etc.), através dos utensílios utilizados pelo Homem e dos aprestos usados pelos animais.
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A AGONIA DUM MORIBUNDO
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No edifício de 3 pisos, o abatimento do telhado em telha-vã, ocorrido há muito, esteve na origem do abatimento dos pisos em madeira, o que foi facilitado pela danificação das grandes janelas superiores. No edifício, transformado em amplo pombal e sujeito ao rigor do tempo, verificou-se como não podia deixar de acontecer, a degradação do seu valioso recheio museológico.
O edifício, propriedade de uma imobiliária, ainda que ferido de morte, teima em manter-se de pé, como quem espera desesperadamente por auxílio. Até quando poderá aguentar essa luta titânica contra a morte? É imprevisível. O que é certo é que há de chegar o momento, não sabemos se de dia, se de noite, em que o moribundo soltará o seu último suspiro, acompanhado da derrocada das suas paredes, que transformarão a Rua dos Reguengos, num segundo Largo do Espírito Santo, afastando dali a circulação automóvel, com naturais reflexos negativos para os moradores e para a vida comercial da zona. Então todos nós choraremos. Alguns, lágrimas de crocodilo. Porém ninguém assumirá a culpa. Lá diz o rifão: “A CULPA MORRE SOLTEIRA!”.
Publicado também no nº 90 (23-7-2010) do Jornal ECOS
Publicado originalmente no blogue DO TEMPO DA OUTRA SENHORA
Publicado originalmente no blogue DO TEMPO DA OUTRA SENHORA
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MUSEU DA ALFAIA AGRÍCOLA EM 1987
(Revisitação para memória futura)
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RÉS DO CHÃO - Enfardadeira mecânica (Foto Correia)
RÉS DO CHÃO - Charribam (Foto Correia)
RÉS DO CHÃO - Máquina debulhadora (Foto Correia)
RÉS DO CHÃO - Seleccionadores de sementes e forquilhas em madeira. (Foto Correia)
1º ANDAR - Charruas em madeira. (Foto ETMOZ)
1º ANDAR - Grade de estrelas, zorra, selins e cangas para mulas. (Foto Correia)
1º ANDAR - Arreios, estribos, cangalhos, albardas, selas, cilhas. (Foto Projecto das Escolas Rurais - Estremoz)
2º ANDAR - Utensílios e objectos da cozinha tradicional alentejana. (Foto Projecto das Escolas Rurais - Estremoz)
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