UMA QUESTÃO DE ORIENTAÇÃO



Os grandes investimentos públicos vão avançar, porque o governo quer e o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista até parece que concordam. Cavaco, ilustre Professor de Economia e Presidente da República, diz-se que não quer e recebeu esta semana um séquito de antigos Ministros das Finanças que também não querem.
Se de facto vamos ter TGV e aeroporto de Alcochete nos tempos apregoados pelo governo é, na realidade, coisa de que duvido muito. Primeiro, porque o atraso vai sendo um traço nosso, depois, porque por cá há coisas como o aeroporto da OTA que parecem inquestionáveis, que parecem que “jamais”, mas que acabam por se esfumar e, por fim, mas não menos importante, porque custa muito dinheiro que não temos.
De tudo isto, posto assim nos termos simplistas de quem não foi iluminado pela sabedoria infinita dos grandes cientistas da economia, o que de facto resulta é que uns querem o TGV e outros não o querem e todos dizem ter razões muito válidas para querer o que querem e para não quererem o que não querem. O que me deixa muito frustrada é que seja possível que uns economistas – os iluminados que suportam as intenções do governo – pensem exactamente o contrário do que pensam outros, notáveis também, que advertem para o abismo que será persistir nas grandes obras públicas projectadas pelo governo.
Neste ponto, sinto um misto de tristeza, perplexidade e mesmo de irritação, por a Economia, apesar dos cálculos, das fórmulas, dos índices, de toda a panóplia de medições e gráficos, não ser afinal uma ciência exacta, exactíssima, sendo antes um ramo do saber que nos deixa assim, irremediavelmente desarmados perante as contraditórias sentenças dos seus doutores, todos infinitamente sábios, todos irreparavelmente certos, mas todos fatalmente desavindos. Perdidos entre as virtualidades do grande investimento público e a prudência da contenção, restar-nos-ia, como diz o outro, ter um pouco de fé, não fosse a desconfiança ser incompatível com a fé e os tempos e os factos serem mais de molde a semear a dúvida que a confiança.
Para já, somos a bancada de trabalho num imenso laboratório onde os mestres economistas e governantes vão, na linha das ciências experimentais, testando as hipóteses de salvação que lhes ocorrem, por tentativa e erro, até que um dia, talvez mais por acaso que por sabedoria, aconteça uma solução.
Eu mesma, que nas muito sofridas aulas de Economia Política aprendi que os ciclos económicos alternam a crise com o crescimento, ou, dito de outra forma, que a bonança segue a tormenta, tive a esperança de que, independentemente dos políticos de qualidade duvidosa que temos, por actuação do tal funcionamento dos ciclos ou por milagre, pouco me importava, havíamos de chegar a bom porto. Mas a viagem vai longa e os marinheiros não ajudam.
Portugal parece-nos hoje uma nau à deriva em passagem pelo Cabo das Tormentas e o homem do leme não é o Capitão do Fim. Isso faz toda a diferença.
Não é pois de estranhar que os portugueses, na sua maioria, se vão dividindo entre os deprimidos e os indiferentes, sendo a indiferença uma doença que mina de forma mortal a vida em democracia e que beneficia apenas os que pretendem manter-se no poder, independentemente da sua competência e capacidade para gerir o destino de todos, governando para o bem comum.
Não haverá, porventura, uma receita única e segura que nos coloque na rota certa. Esta crise, muito provavelmente, tem características atípicas e fenómenos desconhecidos. É talvez nova em tudo menos na sua já avançada idade. Era bom que se pusessem de acordo em alguma coisa, nem que fosse para acreditarmos que percebem do que falam. Eu, que já vou acreditando em muito pouca coisa, pelo sim, pelo não, preferia que a Economia fosse de facto uma ciência exacta. Por uma questão de orientação.


Foi publicado no Jornal E, nº1, de 7 de Maio de 2010 


P.S. Cavaco Silva recebera, quando foi escrita a crónica acima, os representantes do Projecto Farol e foi agendado para 10/05 o encontro com ex-Ministros das Finanças. Impunha-se esta correcção.

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