As Bruxas Que Temos

Foto do DIÁRIO DE NOTÍCIAS

Quando uma palmeira cai em sentido contrário à sua inclinação, desafiando acintosamente a lei da gravidade em fenomenal e imprevisível trajectória, à falta de tempo para credível explicação, temos bruxaria. O Presidente do Município de Porto Santo disse, a quente, que a palmeira que vitimou três pessoas na rentrée politica do PSD Madeira, causando uma morte e dois feridos graves, não obstante pender para um lado, caiu para o oposto. Retratou-se depois. A palmeira, já inclinada, portou-se exactamente como era previsível, apenas não cumprindo o destino que o poeta deu às árvores, que é aquele de morrerem de pé.
Alberto João Jardim, no estilo que lhe conhecemos, falou em bruxas ao seu povo e pediu-lhe para rezar. De caminho, foi avisando alguns órgãos de comunicação social que não queria “demagogia” sobre este episódio, fazendo-a.
O desembaraço com que Alberto João antecipa e liquida a crítica ainda por fazer não esconde o essencial: podia ter sido evitado? Em caso afirmativo, devia ter sido evitado. Não basta invocar o azar e fazer tábua rasa da responsabilidade. Azar foi a queda da palmeira ocorrer durante um comício que, levando mais pessoas ao local, aumentou a probabilidade de a árvore cair em cima de alguém. Tivesse a árvore desfalecido, tombando sozinha sem vítimas e, muito provavelmente, nem teríamos dado por ela. Mas ela estava lá, há muito tempo contorcida, avisando que ia cair, dando os sinais que podia para que alguém fosse constatar que, afinal, as suas raízes estavam podres. Visto assim, não houve só azar, mas desleixo e negligência.
Não cabe ao cidadão comum ir fazer biopsias ás árvores, avaliar a segurança de pontes ou demais edifícios para depois sair à rua confiante de que não lhe cairão em cima ou desaparecerão debaixo dos pés. Cabe aos governantes, locais, regionais e nacionais, de acordo com as suas competências, assegurar a segurança das pessoas, realizando tudo o que necessário for e utilizando os instrumentos ao seu dispor para salvaguardar esse fim. Feito esse trabalho, sobrará ainda uma margem para o azar, que é coisa da vida, e aí falaremos de bruxas, que as há, existam ou não.
É tempo de os governantes se interrogarem sobre a origem e os fins do poder que lhes foi posto nas mãos. Vem do povo e deve servir o povo. Qualquer desvio desse trilho é ilegítimo e, no limite, é abuso de poder que deve ser penalizado, sem chiliques e sem dúvidas.
Ivone Carapeto
Foi publicado no Jornal de Estremoz E, nº 9, de 26/08/2010

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