No Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz, está patente ao público, até finais de Abril, a Exposição de fotografia “O TRAJE POPULAR ALENTEJANO”.
A Exposição, da iniciativa da Associação Filatélica Alentejana e com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz, é constituída por cerca de cinquenta fotografias de grande formato, que num relance visual procuram dar uma visão sintética do que foi o traje popular alentejano na primeira metade do século XX.
Na Exposição é possível apreciar como eram os trajes usados nas fainas agro-pastoris por camponeses, semeadores, mondadeiras, ceifeiros, guardas de herdades, pastores, porqueiros, tiradores de cortiça, vindimadores, azeitoneiros, carreiros, manteeiros, etc.
Na Exposição é possível ainda apreciar o traje usado por homens e mulheres, no seu dia-a-dia nos centro urbanos, bem em como em ocasiões especiais como as festas cíclicas ou a ida a romarias.
O traje alentejano é rico e diversificado, quer seja usado por homem ou mulher, estando em relação directa com a posição de cada um na escala social e com as tarefas diárias desempenhadas.
Ao surgir como produto natural do meio, isto é, de quanto dentro e à volta do homem existe, o traje popular tem a ver com a nossa identidade cultural, a qual mais do que nunca interessa preservar. Porém, mais que dissertar aqui sobre o traje popular alentejano, importa contar uma das muitas histórias que aquelas fotografias suscitam.
É uma história centrada numa fotografia de Rogério Carvalho (1915-1988), obtida nos anos quarenta do século passado. Mostra o passeio do Rossio frente ao Hospital da Misericórdia, em Estremoz.
Um camponês de pelico e safões prepara-se para beber uma aguardente, que a viúva, proprietária da taberna-churrião se prepara para lhe servir. À esquerda, o carro aberto dum vendedor de cereais. Ao fundo, a Igreja dos Congregados, antes do completamento da construção.
A taberna-churrião funcionava como taberna ambulante, onde se servia vinho, aguardente, pão, queijo e carnes cheias. Aí os camponeses gostavam de petiscar. Era um local de amena cavaqueira e de convívio, onde por vezes se defrontavam ao desafio, poetas populares como os lendários Hermínio Babau e Jaime da Manta Branca.
Consta-se que certa vez, o primeiro, versejador de vastos recursos e crítico do Estado Novo, se terá saído com esta cantiga:
“ Lá em Santa Comba Dão,
Nos foros de Jesus,
Para dar cabo de uma Nação,
Deu uma mãe um filho à luz.”
Esta tirada foi aproveitada por dois indivíduos que não o gramavam e o foram denunciar à Guarda Nacional Republicana, cujo posto se situava na Igreja dos Congregados. Após a denúncia e chegados à taberna-churrião, os guardas deram ordem ao Hermínio de os acompanhar até ao posto, o mesmo se passando relativamente aos dois bufos. Uma vez no posto, os guardas disseram-lhe que era acusado de estar a dizer versos contra o Governo, ao que ele respondeu que não senhor, que não era verdade, desafiando então os denunciantes a repetirem os versos que ele tinha dito. Como eles não foram capazes de o fazer, o Hermínio declarou então aos guardas:
- Meus senhores, os versos foram estes:
“ Acabaram as revoluções.
A situação melhorou.
Portugal é um brinquinho
Desde que este Governo entrou.”
Os acusadores, bem clamaram que os versos não eram aqueles, mas como não foram capazes de apresentar versos contrários como prova, foram acusados pelos próprios guardas de terem prestado falso testemunho e foram eles que acabaram por passar a noite no posto. Em termos de rifonário popular, chama-se a isso “Ir buscar lã e sair tosquiado” . Quando ao Hermínio Babau voltou à taberna-churrião para continuar a função.
Nessa época, durante a Feira de Santiago e por ocasião das tradicionais Festas de Setembro, o passeio do Rossio frente à Misericórdia ficava repleto destes carros, propriedade de quem vinha às Festas. Pelos arreios dos animais, pelos assentos, pelas cortinas e pelos enfeites dos carros, se conhecia o poder económico de quem neles se fazia transportar.
Era em churriões puxados por mulas, que os camponeses das freguesias rurais se dirigiam à cidade para vender e para comprar ou simplesmente para tratar de assuntos que só na cidade podiam ser tratados.
Era também em churriões destes que se ia às Festas de S. Mateus a Elvas. Era uma romaria que durava dias, entre o ir e o voltar. E ali os romeiros estacionavam os churriões por zonas, conforme a zona de proveniência. Digam-me lá, se o alentejano é ou não é um tipo organizado?
Esta história exemplifica bem, as histórias que as fotografias ali expostas podem suscitar. Daí a importância de que se reveste a presente Exposição, o que só por si justifica uma visita prolongada.
A Exposição pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12 h 30 min e entre as 14 e as 17 h 30 min.