MARGARIDA ROSA LOPES - Uma Poetisa Popular de 94 anos

MARGARIDA ROSA LOPES
Um exemplo de vida e de cidadania,
encerrada numa alma de poeta e de artista.
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Hernâni Matos fazendo a apresentação do livro de Margarida Rosa Lopes, sentada à sua direita (Foto de Jorge Mourinha).
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Margarida Rosa Lopes, uma anciã de 97 anos, acolhida no Centro Social e Paroquial de São Bento do Cortiço, foi ali homenageada no passado dia 30 de Junho, ao fim da tarde. Tratou-se duma cerimónia simples, mas repleta de afectividade que contou com a presença de residentes do lar e de muitos familiares.
Na ocasião foi ainda lançado o seu livro de poesia “Recordar é Viver”, editado pela Câmara Municipal de Estremoz.
A cerimónia foi iniciada por intervenções sucessivas de Mariano Lopes Dias e de António José Sardinha Lopes (sobrinhos), Hernâni Matos (que esmiuçou o livro e biografou a autora), José Augusto Trindade (Vereador do Pelouro da Cultura), Francisco João Ameixa Ramos (Vice-Presidente da Câmara) e António José Nabais (Presidente do Centro).
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A VIDA DE MARGARIDA
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Margarida Rosa Lopes nasceu no Monte Novo dos Cardeais, em S. Estêvão, a 2 de Janeiro de 1913, filha de médios agricultores. Foi a penúltima de dez filhos que seus pais deram ao mundo e que como ela própria nos diz no seu livro, “oito nos criámos e vivemos felizes trabalhando e folgando na graça de Deus.“
Margarida cresceu no seio da família, conhecendo bem a vida rural da região. Tendo alguns problemas de saúde, nunca trabalhou no campo. Em contrapartida, aprendeu a fazer todos os trabalhos domésticos indispensáveis ao desempenho da função de boa dona de casa.
Quando tinha 18 anos e já com 5 irmãos casados, perdeu o pai, tinha a mãe 60 anos. A vida tornou-se então mais dura para aquela casa, onde além dela, vivia a mãe e dois irmãos solteiros. A mãe continuou com a lavoura em conjunto com os três filhos mais novos e solteiros, dois deles menores e o mais velho, João, fazendo de chefe de família.
Margarida, dedicou-se então ainda com mais força às tarefas do lar e à família, mantendo uma relação excelente com todos os irmãos, de quem teve inúmeros sobrinhos dos quais se considerou sempre como irmã mais velha. Com eles se divertiu e com eles partilhou algum conforto nas horas amargas.
A vida muitas vezes é madrasta, os anos foram passando, a mãe perdeu um filho casado e pai de oito filhos e viu duas filhas enviuvar, o que a fez decair bastante, sendo então amparada pelas netas, duma extensa prole de 21 netos, alguns deles órfãos e de tenra idade.
No Monte Novo dos Cardeais todos se criaram, pois ali trabalhavam uns para os outros. Por isso, o reconhecimento dos sobrinhos por Margarida não conhece limites, uma vez que esta sempre os ajudou em tudo o que podia.
Em 1960, morre de velhice a mãe de Margarida, já então bisavó. Dos oito irmãos, restam então três e nesse mesmo ano vem a falecer outro irmão.
Apesar de tudo, Margarida nunca se sentiu infeliz no seu estado de solteira, sempre sentiu o amparo dos irmãos e a estima dos restantes familiares, com especial destaque para os sobrinhos.
È de salientar que Margarida nunca foi à Escola. Quem lhe ensinou a juntar as primeiras letras foi um sapateiro remendão que ia ao Monte Novo dos Cardeais, onde ficava para consertar o calçado de toda a família, como fazia nos montes doutros agricultores. E Margarida tinha grande ânsia de aprender e aprendeu por ela própria, fazendo cópias e lendo, lendo muito.
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COMO NASCEU A POESIA
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O pai de Margarida gostava de décimas. Com ele, com os irmãos, com outras pessoas e por folhetos e livros, aprendeu algumas, mas nunca lhe passou pela cabeça vir a fazê-las.
Acontece que Mestre Talhinhas, camponês dotado de grande poder de improvisação e contador, proprietário dos “Bonecos de Santo Aleixo”, andava por aí com os seus títeres tradicionais, que comprara a Ti Manel Jaleca. Andava por montes e herdades a dar espectáculos para os camponeses e suas famílias. Foi assim que veio também a actuar num casão do Monte Novo dos Cardeais. E foi Mestre Talhinhas que incentivou e estimulou Margarida a fazer décimas. Margarida aceitou o desafio e compôs décimas onde fala da sua própria família e que Mestre Talhinhas cantou a acompanhar as actuações dos seus bonecos.
A partir daí, ou seja desde 1960 para cá, nunca mais parou, umas vezes por iniciativa sua, outras vezes a pedido de pessoas amigas ou de sobrinhos.
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E NASCEU O LIVRO
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A apetência pela sua obra poética é considerável, pelo que é natural que alguém tenha apostado na publicação da mesma.
O livro “RECORDAR É VIVER”, em boa hora foi editado pela Câmara Municipal de Estremoz, iniciativa a que não será estranha, a influência do seu sobrinho Mariano Lopes Dias e a iniciativa doutro sobrinho, António José Sardinha Lopes.
A poesia de Margarida tem rima e nela é rica e tem métrica. As estrofes têm ritmo e são diversificadas, pois em termos de agrupamento de versos surgem dísticos, tercetos, quadras, quintilhas, sextilhas, septilhas, oitavas, nonas, décimas (por vezes silvadas) e duodécimas, onde Margarida mostra a ampla gama de predicados de que dispõe para ornar o seu edifício poético.
Também a temática da poesia de Margarida é diversificada, tendo sido possível agrupá-la por temas: intimidade, guerra colonial, religião, terceira idade, Estremoz e o seu termo regional, História de Portugal, actualidade e despiques.
Como traços do carácter de Margarida, há a realçar a afabilidade e o fino trato, aliados a uma ânsia de saber, o amor à família, a Santo Estêvão, a Estremoz, ao Alentejo, aos valores pátrios, aos heróis e santos nacionais, tudo alicerçado num profundo fervor religioso e acompanhado pelo culto da amizade desinteressada.
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MARGARIDA EM SI
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A sensibilidade de Margarida não se limitava à poesia, pois gostava muito de pintar e os seus trabalhos eram muito apreciados. Foi ela que pintou o altar da Capela de Santo Estêvão, assim como pintou quadros com belas paisagens, almofadas e fitas para estudantes finalistas.
Margarida nunca casou, mas além de irmã dos seus irmãos, ela foi também uma mãe para eles e uma irmã mais velha para os sobrinhos, que muito lhe devem e a amam.
Não só para eles, como para a Comunidade onde sempre se inseriu (S. Estêvão), para a Comunidade que a acolheu (S. Bento do Cortiço), como para o Concelho que a viu nascer há 97 anos (Estremoz), Margarida Rosa Lopes, pela sua entrega desinteressada aos outros é um exemplo de vida e de cidadania encerrada numa alma de poeta e de artista que importa exaltar e apontar como exemplo às gerações mais novas.
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Hernâni Matos
Publicado originalmente
no blogue DO TEMPO DA OUTRA SENHORA
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Um aspecto da assistência (Fotografia de Jorge Mourinha).

Margarida (ao centro) com um grupo de familiares (Fotografia de Jorge Mourinha).


O  livro de Margarida, que está à venda na Biblioteca Municipal de Estremoz.

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